Psicopatias Artísticas
Oh, divas estonteantes que rodeiam minha carne adormecida para o prazer!
Leve-me para a alegria dos ébrios, livrando-me do pesar da prisão das
responsabilidades, me enchendo de prazer a cada gole de alegria nas tabernas de
Baco. Sinto o peso da vida se esvaindo, a cada gole, em irrisórios polens
esvoaçantes pelos campos do éden indo germinar outras donzelas. Assim, como
eles, quero conquistar essa liberdade divina na leveza dos prazeres que
merecemos e temos coragem de conquistá-los, camuflados, apenas no torpor da
mente nas noites de liberdade provisória, onde os vícios e as liberdades
mundanas são permitidos na calada da noite onde guardam os maiores segredos,
mistérios... À noite nos traz e liberta
a vontade mais extrema do ser. As jarras se esvaziam, sinto o meu corpo sendo
irrigado de prazer. O primeiro gole é a melhor sensação, onde se sente a terra
seca sorver com rapidez e se desmanchar com a primeira gota de chuva, sinto uma
sensação de arrepio, como se a bebida percorresse as minhas veias me
completando, me transformando... Não transformando, me libertando. Voltando a
selvageria e a agressividade natural que o homem precisa libertar na loucura do
prazer sufocado por regras sociais de ternura, postura, monogamia, amor à família,
respeito ao próximo. Pieguices sociais impostas por todos para aprisionar um
maravilhoso caos anárquico que poderia existir nesse glorioso mundo elaborado
pelos deuses para ser uma prisão, mas podendo ser rompido com coragem que me é
servida pela garçonete da taberna. Ela me traz visões e consigo identificar os
erros que as pessoas cometem na luz do dia em sua carapaça social. Enxergo a
real vontade e presteza nos gestos de cada um em análise na desenvoltura das
gargalhadas nas mesas. Vejo a minha frente mulheres de conduta ilibada e
exemplar no dia puritano, onde trabalham presas na agonia da responsabilidade
entediante que lhe é trazida no raiar dos dias. O cheiro do sexo delas
impregna o ar. Meu olfato começa a se aprimorar a cada baforada do cachimbo
preenchido por ervas mágicas. O caçador em mim começa a se libertar. Contido há
muitos dias, sua vontade de sentir o cheiro peculiar de sangue tem que esperar
a hora correta da captura da presa, se não porá tudo a perder. Mais um copo é
esvaziado e desce pela garganta suave no início, mas uma sensação desagradável
aos ouvidos contém esse prazer. A sensibilidade auditiva começou a me trazer as
vozes que resolvem me ordenar “o que” e “como fazer”. Como se o primogênito da
espécie, o qual ensinou a todos caçar, precisasse ouvir lições de vozes
adormecidas no tempo incapazes de realizar suas próprias ações. Mas querem se
saciar através das atitudes capazes de meu corpo realizar. Ficam como
espectadores interagindo, opinando, reclamando... Impulsionando-me. “Silêncio!”
- digo lhes. E a paz retorna à observação. Estou pronto.
Estou sentado à mesa no canto do salão onde consigo observar todos. O
entrar e sair é grande. Escada oposta à entrada leva ao segundo andar, onde há
hospedaria para viajantes realizarem os seus desejos com donzelas diabólicas
perdidas na noite, ou descansar para entrar no cotidiano diário monótono, já
que andar pelas ruas da cidade liberto pelos psicotrópicos é proibido. Regras
de conduta a fim de se evitar a barbárie dos libertos sociais. O salão está
completo sem mesas vazias, pessoas em pé próximo ao bar... Excelente. Estou despercebido,
infiltrado. Esperando o erro de alguém sair cambaleante pela porta ou subir
sozinha as escadas do prazer. Estou ansioso e excitado para realizar meu ato purificador
da carne já que será meu primeiro trabalho artístico nessa cidade. Estou ávido
para saber as opiniões dos moradores locais e qual estado de pânico, euforia e
prazer gerarei a essas pobres criaturas hipócritas. Meus pensamentos percorrem
meus sonhos e a imaginação começa a desabrochar... A garçonete se aproxima.
Será ela a tela que pintarei e a esculpirei para eternizá-la na mente e quadro
de um pintor? Provável. Enquanto me serve toco em seu braço para sentir se a
temperatura e textura de seu corpo... É de meu agrado. Meu tato é sensível e
através dele sinto como percorrerei e realizarei a minha obra num trabalho
manual único. Quero algo macio e quente, sem calos ou asperesidade, sem muitos
músculos, algo maleavelmente tenro e leve. Como estou me sentindo. Afinal, O
artista revela seus sentimentos na obra. Estudando a obra sabemos o estado de
espírito e psique. Por isso tenho que trabalhar e escolher muito detalhadamente
a minha matéria-prima para não me fazer interpretar de forma errada, já que não
posso participar das discussões e teorias da minha arte, tendo de permanecer
oculto, sendo minha assinatura conhecida por todos, mas não o autor. Ela sorri
para mim, dentes perfeitos se mostram, apesar de seu canino esquerdo
desgastado, provavelmente por verificar moedas do pagamento dos clientes.
Simpática. Horas se passam e ela finalmente se dirige às escadas que conduzem
ao segundo andar. Preparo-me. Pego minha maleta. E então ela sobe os degraus.
Tento conter minha excitação, para não chamar atenção e me dirijo calmamente à
escadaria. Todos envoltos em saciar seus desejos não me notam.
Ao chegar ao primeiro degrau vejo apenas a ponta de seu vestido indicando
que ela foi para a esquerda do corredor. Fora chamada pelo taberneiro para
preparar um quarto para duas freiras que viajavam para um evento na cidade que
começaria amanhã. Subo as escadas atentamente, nenhum ruído audível se faz. Tábuas
firmes. Chegando ao topo vou à esquerda e lá está a porta escancarada para o
prazer. Fito a senhorita por alguns instantes. Pernas longas com joelhos
marcados, corpo esguio, cabelos ruivos um pouco abaixo do ombro, cintura fina,
busto de tamanhos médios e empinados. Ela se vira e me vê parado frente à porta.
Assusta-se. As vozes voltam dizendo para “pega-la” que “a hora se faz quando
queremos” e “a hora é essa”. Num leve e rápido movimento desfiro-lhe um golpe
na cabeça com minha maleta e ela cai. Fecho a porta atrás de mim com brevidade
e me dirijo à menina que está ao chão zonza, mas não inconsciente. Ela murmura
algo que não consigo e nem pretendo entender. Olho seu rosto se ficou
danificado o suficiente para prejudicar a obra, mas felizmente apenas danos
superficiais reparáveis. Certificado a qualidade do produto, posiciono a maleta
sobre a cama e a abro. Todo material necessário se encontra envolto a um tecido
vermelho de veludo. Pego meu primeiro instrumento: a faca. A garçonete ainda
zonza no chão se contorce quando toco em seu rosto e abro sua boca. Pego um
alicate na maleta e seguro sua língua com ele a puxando para fora, com a outra
mão seguro a faca e a deslizo num golpe único e certeiro. Não gosto que falem
durante o meu trabalho artístico, me desconcentra, gosto que apenas observem.
Coloco o alicate e a língua cuidadosamente no chão. A menina se contorce em agonia,
e desmaia. Pego a cadeira e a coloco sentada amarrada por cordas finas e
negras, porém muito resistentes, coloco um lenço vermelho embolado em sua boca
para que não produza ruídos. Corto seu vestido e seu corpo nu, branco, reluze
para mim. Começo a fatiá-la, retalhá-la, dando vida e forma à minha inspiração
artística, um dom nato e único diria, mas não pretendo me gabar. Tendo sempre
cuidado em mantê-la viva, a parte mais difícil e chata do meu trabalho. Finito.
Mais uma obra concretizada e perfeita. Supero-me mais uma vez. Consigo passar
exatamente o que estou sentido. Revelo por completo meu interior em mais uma
construção artística. Acordo minha obra e, virada de frente ao espelho do
quarto, faço-a contemplar sua beleza. Zonza pela dor não agonizante, por ter
usado anestésicos antes de acordá-la, ela arregala os olhos numa mistura de
admiração e gratidão, achando-se belíssima. Existem pessoas que têm a sorte de
serem escolhidas e ela foi uma delas. Fiz com seu corpo exatamente o que sua
alma, numa simbiose com meus sentimentos, no momento desejavam. Assim que
escolho minhas matérias-primas, unindo meu sentimento e colocando-as no corpo
com a forma correta que lhes era certo. Purificado e cansado removo seus globos
oculares e a deixo viva. Consegui conter os sangramentos das amputações
perfeitamente, pontos exatos foram aplicados. Seus olhos nunca mais verão uma
perfeição como essa, e a imagem mais bela vista será guardada em sua memória,
não se poluindo com outras imagens vindouras. Limpo os instrumentos com os
panos que ela levava para o quarto, pedaços das amputações coloco em um saco de
couro de carneiro, fecho minha maleta negra. Olho suspirando para a última
vista da minha obra que breve será profanada, e a inquietude dos movimentos
produzidos por ela é magnífico. Uma obra de arte viva, transformada, esculpida.
Retiro-me do quarto fechando a porta. O taberneiro sobe as escadas passando por
mim, mas não me fita, não me reconheceria. Termino de descê-las, saio pela
porta da frente inotável, retornando à minha insignificância social, com um dom
artístico imenso e oculto. Mas não me revelo por não ser narcisista.
Guilherme Luis Dantas Gouget
Unir para conquistar
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